domingo, 15 de agosto de 2010

Professor Tulio comenta a situação do Bateau Mouche


Bateau Mouche: 22 anos de injustiça

Passados quase 22 anos do dia do acidente, o Bateau Mouche se transformou no maior símbolo da falta de eficiência e da morosidade do Poder Judiciário no Brasil. Até hoje, pouquíssimas famílias receberam indenização. Os três sócios da Bateau Mouche Rio Turismo fugiram do Brasil em 1994 e vivem na Europa.
Túlio Paolino
Há poucos dias, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro anunciou a decisão de aumentar de R$ 50 mil para R$ 220 mil o valor da indenização por danos morais a ser paga a duas sobreviventes do naufrágio do barco Bateau Mouche IV, famoso acidente que, em 1988, manchou a noite de Ano-Novo no Rio de Janeiro e no Brasil e provocou a morte de 55 pessoas. Uma decisão, ainda em primeira instância, havia condenado os sócios da empresa Bateau Mouche Rio Turismo a pagar R$ 50 mil às duas sobreviventes, mas os desembargadores do TJ decidiram por unanimidade aumentar a quantia para R$ 220 mil, alegando que “o valor arbitrado é por demais exíguo diante das circunstâncias pessoais e da gravidade do dano”.

Eu perdi meu amado pai, Emilio Paolino, no naufrágio do Bateau Mouche e posso afirmar que não existe preço que pague a imensa dor, as saudades e o trauma causado em uma família inteira. Assim sendo, não vou me ater aqui a valores de indenizações, mas sim manifestar minha perplexidade face à incrível demora com que a Justiça brasileira trata esse caso e o imenso desrespeito que isso representa para os sobreviventes, para as famílias das vítimas e para a sociedade brasileira. Passados quase 22 anos do dia do acidente, o Bateau Mouche se transformou no maior símbolo da falta de eficiência e da morosidade do Poder Judiciário no Brasil.

Até hoje, pouquíssimas famílias receberam indenização. Ainda mais grave é o fato de que os três sócios da Bateau Mouche Rio Turismo - Faustino Puertas Vidal, Álvaro Pereira da Costa e Avelino Fernandez Rivera - fugiram do Brasil em 1994 e gozam na Europa da vida que o muito dinheiro que possuem lhes permite gozar. Talvez nem se lembrem mais da embarcação que, por mera ganância, lotaram muito acima de sua capacidade numa noite de reveillon. O Bateau Mouche adernou na orla de Copacabana, enquanto os fogos de artifício pipocavam nos céus do Rio.

Além da responsabilidade pelo naufrágio, Vidal, Costa e Rivera foram acusados de sonegação fiscal, falsificação e formação de quadrilha. A ligação do trio com a máfia espanhola também se tornou evidente com o decorrer das investigações, mas eles permanecem impunes. Aliás, é preciso deixar claro que os empresários fugiram do Brasil por conta do crime de sonegação fiscal. Se dependesse somente do crime do Bateau Mouche, quem sabe talvez estivessem ainda por aqui freqüentando festas e colunas sociais.

Além de símbolo da impunidade, o Bateau Mouche representa também a avidez da busca pelo lucro a todo custo que não se responsabiliza e nem se preocupa com a vida das pessoas. O tempo passou, mas a dor e a ausência ficaram e o clamor por justiça permanece nas vozes embargadas dos parentes das vítimas.

Eu participei de diversas mobilizações que exigiam justiça e punição para os responsáveis. A morosidade da Justiça brasileira e o inexorável passar do tempo, no entanto, acabaram por enfraquecer o poder de articulação e mobilização dos familiares das vítimas. Logo após a tragédia, quando a mídia ainda dava muito destaque ao caso, chegamos a formar uma associação de defesa da cidadania chamada Bateau Mouche Nunca Mais, mas o movimento enfraqueceu e muita gente acabou se desiludindo.

Muitas famílias passaram a investir seus esforços separadamente nas ações por indenizações, como forma de ao menos punir os responsáveis pela tragédia onde, ao que parece, mais lhes dói: no bolso e no patrimônio material. Para muitos, a sensação é de acerto de contas, pois, como já disse, o valor da perda não pode ser calculado em cifras ou números.


Avançar
Quando perdi meu pai no Bateau Mouche eu já era militante do PT e da CUT, onde permaneço até hoje. Sem nunca ter exercido cargo no governo, venho desde 2003 acompanhando de perto e ajudando, com minha militância sindical, essa experiência ímpar que está sendo o governo Lula. Tivemos muitos acertos, alguns erros, mas é certo que há muito espaço para o Brasil avançar. Um desses espaços, sem dúvida, é a modernização e revitalização de nosso Judiciário.

O Brasil mudou, está mudando, e a sociedade precisa exigir uma Justiça mais justa. Podemos continuar avançando no sentido de uma reforma do Judiciário que dê mais agilidade aos processos e acabe com a impunidade em nosso país. Que o emblemático caso do Bateau Mouche sirva como alerta e bandeira para aqueles que anseiam pelo aprofundamento das mudanças!

Como filho, me sinto impotente e frustrado ao ver os responsáveis pela morte do meu pai ainda impunes. Confesso que acreditava que a Justiça iria punir de forma exemplar os responsáveis pelo naufrágio, e o fato de, passadas mais de duas décadas, não termos nenhum deles preso ou punido é desmoralizante para a Justiça brasileira.

Exigimos justiça mesmo que tardia, e uma das formas de reparar parte da tragédia do Bateau Mouche é indenizar os parentes das vítimas, pois a maioria até hoje tem sua vida modificada e desestruturada por uma ferida que permanece aberta e sangra sem cessar. Não vamos sossegar até que a justiça seja feita.

Professor de História e diretor do SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro)


Um comentário:

Claudio Monteiro disse...

É uma vergonha que nesse país a justiça ainda não tenha solucionado esse caso tão grave e que envolveu tantas famílias que foram prejudicadas com a perda dos entes queridos. Muita coisa ainda precisa avançar nesse país!!!